Às vezes me vejo assim - como na imagem ao lado...
... Sem vontade de encarar as notícias cruéis que chegam de todo o mundo, nem de conviver com pessoas que não estão nem aí, o olhar fixo num espelho de si mesmo;
... Sem vontade de encarar as notícias cruéis que chegam de todo o mundo, nem de conviver com pessoas que não estão nem aí, o olhar fixo num espelho de si mesmo;
... Sem paciência para acompanhar as eleições na Argentina, o acordo com as Farc na Colômbia, o descaramento da grande maioria dos políticos brasileiros;
... Sem informações mais precisas sobre o destino dos mais de dois mil refugiados sírios que chegaram ao Brasil;
... Desencorajada com os limites que percebo nesse meu escrever, que ainda carece da força profunda do sim sim, e do não não - sem concessões ao que não acredito, não abraço e não desejo para este mundo em que vivo.
Mas, de repente, surge uma reflexão profunda e sensata, uma boa conversa, e, especialmente, os bons momentos de convivência com o meu neto. Suas visitas à minha casa me convocam a buscar a luz que de novo alumia brilhante, acariciando a Esperança, e me trazendo o desejo de viver intensamente cada momento que a vida me dá.
Talvez a longevidade tenha o mérito do aprendizado; de rejuvenescer a fé na vida, e de descobrir as excelências do mundo em que vivemos.
Imagino que isto se passou também, no dia em que o grande poeta e músico, Vinícius de Moraes, escreveu o seu magnífico poema-testamento, deixando-nos perceber melhor o profundo tesouro que carregava em si.
Nos seus versos, Vinícius reflete profundamente no que parece lhe restar da vida... E este poema de grande magnitude.
O haver1
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura, essa intimidade perfeita com o silêncio.
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo...
– Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito
pela noite, esse falar baixo,
essa mão que tateia antes de ter, esse medo de ferir tocando, essa forte mão de homem cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade,
Essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio numa catedral em ruínas, essa tristeza diante do cotidiano; ou essa súbita alegria ao ouvir passos na noite que se perde sem história...
Resta essa vontade de chorar diante da beleza, essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido, essa imensa piedade de si mesmo, e de sua força inútil.
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos,
de refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória.
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
de não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
pelo momento a vir, quando, apressada, ela virá
me entreabrir a porta como uma velha amante,
mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...
dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo,
e esse medo infantil
de ter pequenas coragens.
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo,
e esse medo infantil
de ter pequenas coragens.
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"O Haver" - Poema de Vinicius de Morais - In: www.letrascifras.com.br/Vinicius de Moraes.
Créditos de Imagens:
1. O desespero - Roberto Ploeg - o.s.t. - www.robertoploeg.blogspot.com.br
2. Diálogos da vida - fotografia de: www.unnamed.com.br
3. Imagem do sertão brasileiro - autor não identificado.
4. Noite - www.canstockphoto.com.br
5. Círio aceso - www.canstockphoto.com.br
6. Escalada - www.canstockphoto.com.br
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