Há momentos na
vida em que não se consegue escrever ou falar – pode-se apenas viver. Grandes
são aqueles que, na literatura, na dança, no teatro, nas artes em geral tocam, engenhosamente, alguns acordes da experiência do amor e da dor.
A música me parece ser mais fiel, delicadamente nascida para sugerir à alma acordes do sentimento de amor, ou alentar os momentos de sofrimento. A sua fidelidade será tanto mais próxima, quanto mais irmanada alguém se fizer do artista, imaginando o momento da concepção de sua obra. O que me reporta ao grande escritor uruguaio Eduardo Galeano, que inventou o verbete “sentirpensador”.
A música me parece ser mais fiel, delicadamente nascida para sugerir à alma acordes do sentimento de amor, ou alentar os momentos de sofrimento. A sua fidelidade será tanto mais próxima, quanto mais irmanada alguém se fizer do artista, imaginando o momento da concepção de sua obra. O que me reporta ao grande escritor uruguaio Eduardo Galeano, que inventou o verbete “sentirpensador”.
Quando escrevi o pequeno texto acima, vivia um momento em que apenas conseguia sentir... E então podia ver, como em um filme ao revés, uma história que, se eu não a tomasse nas mãos e não lhe desse um nome e um sentido, poderia se
tornar mais uma estúpida novela do “plin
plin” da vida, com cenas repetidas e infiéis tudo o que a cada um de nós é essencial: viver uma relação sincera de amor, no desejo de aprender a carícia essencial.
Tomar a própria
história nas mãos é graça, é coragem de conhecê-la até onde se viveu e talvez
reconhecê-la mesquinha. É perceber que não se sabe claramente o para onde, embora o para quê reclame coragem, atitude, e também complacência e confiança.
A história nas
mãos é assumir a responsabilidade de escolha do próprio caminho, que não
exclui o aprendizado da compreensão e do diálogo com o outro, o diferente de si. É tomar a decisão de aprender e de provocar a experiência da reciprocidade. Para isso é importante saber que só uma certeza única importa: "a silenciosa atenção que nutre a vida”, de onde surge “a benevolente compreensão”.
Traduzimos, aqui, alguns trechos de um livro do carismático teólogo alemão Ladislaus Boros: Incontrare Dio nell'uomo. (*)
Traduzimos, aqui, alguns trechos de um livro do carismático teólogo alemão Ladislaus Boros: Incontrare Dio nell'uomo. (*)
Ele fala de uma compreensão que significa “desenvolver a
delicadeza de sentir e a capacidade de vibrar em sintonia, para superar a estranheza entre os homens. Assim nasce uma comunhão
de benevolência. E esta se alcança somente através da experiência. Uma
experiência em que se aprende de verdade:
O olhar se torna lentamente mais límpido, a sensibilidade mais fina, a adaptação mais fácil. O que, por sua vez, só é possível se o homem se liberta das suas relações instintivas de simpatia-antipatia e busca aceitar o outro como ele é; se não divide mais o mondo em simpático e antipático, mas diz a cada pessoa: tens o direito de ser assim como és.
O olhar se torna lentamente mais límpido, a sensibilidade mais fina, a adaptação mais fácil. O que, por sua vez, só é possível se o homem se liberta das suas relações instintivas de simpatia-antipatia e busca aceitar o outro como ele é; se não divide mais o mondo em simpático e antipático, mas diz a cada pessoa: tens o direito de ser assim como és.
A comunhão entre
Agostinho e Mônica, sua mãe – continua Boros – tende a alguma coisa de eterno:
É a característica de toda amizade. Na amizade surge uma afirmação incondicionada do ser. Pronuncia-se a palavra que lhe dá consistência: Tu deves ser! Deves expandir tudo quanto o teu ser tem em si de possibilidade; mais ainda: deves ser ainda mais belo, mais luminoso, potente e vivo daquilo que já és; não só: para mim, és o mundo; tenho experiência do mundo só à luz da nossa amizade; um mundo sem ti não seria um mundo belo para mim.
É a característica de toda amizade. Na amizade surge uma afirmação incondicionada do ser. Pronuncia-se a palavra que lhe dá consistência: Tu deves ser! Deves expandir tudo quanto o teu ser tem em si de possibilidade; mais ainda: deves ser ainda mais belo, mais luminoso, potente e vivo daquilo que já és; não só: para mim, és o mundo; tenho experiência do mundo só à luz da nossa amizade; um mundo sem ti não seria um mundo belo para mim.
E continua: "É a autêntica
palavra do amor. Gabriel Marcel faz
dizer a um personagem em ‘La mort de
demain’ : amar significa dizer: ‘não morrerás’."
A mesma coisa se pode dizer da amizade. Em cada profunda relação humana, seja esta de amizade ou de amor vem afirmada, posta e incluída a imortalidade. Não pode ser que esta existência tenha fim. Da amizade humana surge um imediata evidência da imortalidade (...).
A mesma coisa se pode dizer da amizade. Em cada profunda relação humana, seja esta de amizade ou de amor vem afirmada, posta e incluída a imortalidade. Não pode ser que esta existência tenha fim. Da amizade humana surge um imediata evidência da imortalidade (...).
Se alguém permanece
fiel a uma amizade humana até o fim, mesmo até o desvanecimento de todos os
sonhos e de todas as esperanças, experimenta em si aquele Deus que se pensava
estivesse distante. Os dois discípulos não cessaram de dialogar, de estar
juntos. E, assim, deram a Cristo a ocasião de introduzir-se no seu colóquio.
Com este episódio Deus nos sugere: permanece fiel à tua amizade, ao teu destino
de comunhão com os homens; se podes ainda
pronunciar a palavra Tu, não estás perdido. É sempre possível que, pronunciando
esta palavra, eu esteja com aquele com quem falas.
E afirma: A grande ocasião do homem de hoje – os discípulos de Emaus são o símbolo
da nossa hodierna situação no mundo – é a
amizade vivida com sinceridade. Mesmo se a amizade não seja um sacramento
em sentido restrito podemos, no entanto, estar convencidos de que é um sinal concreto da presença do absoluto no
mundo, e pode realizar tudo o que se pode esperar de um sacramento. (...) O Céu, a quintessência do ser, no qual tudo atinge a sua autenticidade está, portanto,
presente na amizade. Os amigos o experimentam continuamente, mesmo que
inconscientemente. É por isso que a amizade provoca saudade.
Ora, sabemos que
Deus deve ser a verdadeira plenitude, o uno, o infinito: nós o experimentamos
justamente neste esforço desesperado da amizade, que não pode ser exaurido
nesta terra. Se vivemos na amizade sabemos que ele existe; na limitação
terrena, na nossa ilegitimidade, dispersão e insatisfação sentimos como o nosso
coração descontente bate por um totalmente outro. Não sabemos nada mais do que
isso sobre Deus. Esta é, substancialmente, a estrutura da nossa experiência de
Deus: intuir o absoluto no espelho ‘cego’ da nossa existência que, no entanto,
tornou-se espelho para a amizade."
E conclui: "É na amizade que
o homem é restituído a si mesmo.”
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(*) Boros, Ladislaus. Incontrare Dio nell'uomo. Meditazioni Teologiche. Ed.Queriniana.Brescia.1968.pp.20,65-69,73. Tradução dos textos citados, do original italiano, por: Vanise Rezende, para o blog Espaço Poese.
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