Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

AS MULHERES NA VIDA DA JESUS

24 março, 2018


Antes de tudo, comunico que fiz uma retificação à publicação anterior, sobre Marielle Franco. Retirei a pretensa intensão do efeito afirmativo positivo de chamá-la "mulher e negra". Em verdade, ela revive na memória histórica dos nossos dias como mulher política e defensora  intrépida da cambaleante democracia brasileira.  

Continuando a publicação de artigos sobre a mulher, neste mês de março, alegra-nos trazer aqui um texto recente, de Leornardo Boff, sobre uma questão que nos interessa de um modo especial: que sentimentos expressou Jesus sobre as mulheres, na condição de filho, amigo, homem do seu tempo, e, quem sabe, também companheiro de vida?

Eis um texto esclarecedor,  publicado por Leonardo Boff:


Jesus, judeu e não cristão, rompeu com o anti-feminismo de sua tradição religiosa. Considerando-se sua gesta e suas palavras, percebe-se que se mostrava sensível a tudo o que pertence à esfera do feminino, em contraposição aos valores do machismo cultural, centrado na submissão da mulher.

Na sua história se encontram, com frescor originário, sensibilidade, capacidade de amar e de perdoar, ternura para com as crianças e os pobres, compaixão para com todos os sofredores deste mundo, e abertura indiscriminada a todos, especialmente a Deus, chamando-o de ABBA  paizinho querido. Viveu cercado de discípulos, homens e mulheres. Desde o início dasua peregrinação itinerante,  as mulheres o seguiam (Lc 8,1-3; 23,49;24,6-10. Cf E.Shhlüsser-Florenza, Discipulado de Iguais, Ed. Vozes,1995).

Em razão da utopia que prega  o Reino de Deus  que é uma libertação de todo tipo de opressão, Jesus quebra vários tabus que pesam sobre as mulheres. Mantém uma profunda amizade com Marta e Maria (Lc 10,38). Contra o ethos do tempo, conversa publicamente, e a sós, com uma herege samaritana, causando perplexidade aos discípulos (Jo 7,53-8,10). Deixa-se tocar e ungir os pés por uma conhecida prostituta, Madalena (Lc 7,36-50).

São várias as mulheres que foram beneficiadas com o seu cuidado, como a sogra de Pedro (Lc 4,38-39), a mãe do jovem de Naim, ressuscitado por Jesus (Lc 7,11-17), e, igualmente, a filhinha morta de Jairo, oficial romano (Mt 9,l8-29), a mulher corcundinha (Lc 13,10-17), a pagã siro-fenícia, cuja filha, psiquicamente doente, foi libertada (Mc 7,26), e a mulher que sofria há doze anos de um fluxo de sangue (Mt 9,20-22). Todas elas foram curadas.
Em suas parábolas ocorrem muitas mulheres, especialmente pobres, como a que extraviou a moeda (Lc l15,8-10), a viúva que depositou dois trocados no cofre do templo e era tudo o que tinha (Mc 12,41-44), a outra viúva, corajosa, que enfrentou o juiz (Lc 18,1-8). Nunca são apresentadas como discriminadas, mas com toda a sua dignidade, à altura dos homens. A crítica que faz da prática social do divórcio, pelos motivos mais fúteis, e a defesa do laço indissolúvel do amor (Mc 10,1-10), tem o sentido ético de salvaguarda da dignidade da mulher.
Se admiramos a sensibilidade feminina de Jesus (a dimensão da anima), seu profundo sentido espiritual da vida, ao ponto de se ver a sua ação providente, em cada detalhe da vida, como nos lírios do campo, então devemos também supor que ele aprofundou esta dimensão a partir de seu contato com as mulheres com a quais conviveu. Jesus aprendeu, não só ensinou. As mulheres, com sua anima, preencheram o seu lado masculino, o animus.
Resumindo, a mensagem e a prática de Jesus significam uma ruptura com a situação imperante, e introduzem um novo tipo de relação, fundado não na ordem patriarcal da subordinação, mas sobre o amor como mútua doação, que inclui a igualdade entre homem e mulher. As mulheres irrompem como pessoas, filhas de Deus, destinatárias do sonho de Jesus, e são convidadas a serem, junto com os homens, também discípulas e membros de um novo tipo de humanidade.
Um dado de uma pesquisa recente vem confirmar esta constatação. Dois textos, chamados evangelhos apócrifos  o Evangelho de Maria (edição da Vozes 1998) e o Evangelho de Felipe (Vozes 2006)) — mostram a relação afetiva de Jesus. Como homem ele viveu profundamente esta dimensão.
Nesse textos se diz que Ele entretinha uma relação especial com Míryam de Mágdala, chamada de “companheira” (koinónos). No Evangelho de Maria, Pedro confessa: “Irmã, nós sabemos que o Mestre te amou diferentemente das outras mulheres” (op.cit. p.111) e Levi reconhece que “o Mestre a amou mais que a nós”. Ela vem apresentada como a sua principal interlocutora, comunicando-lhe ensinamentos subtraídos aos discípulos. Das 46 questões que os discípulos colocam a Jesus, depois de sua ressurreição, 39 são feitas por Míryam de Mágdala (Cf. Tradução e comentário de J.Y.Leloup, Vozes 2006, pp.25-46).

O Evangelho de Felipe diz ainda: “Eram três que acompanhavam sempre o Mestre, Maria sua mãe, a irmã de sua mãe, e Míryam de Mágdala que é conhecida como sua companheira, porque Míryam é para Ele uma irmã, uma mãe e uma esposa (koinónos: Evangelho de Felipe, Vozes 2006, p. 71). Mais adiante particulariza afirmando: “O Senhor amava Maria mais que todos os demais discípulos e a beijava com frequência nos lábios. Os discípulos, ao verem que a amava, perguntavam-lhe: por que amas a ela mais que a todos nós? O Redentor lhes respondeu dizendo: o quê? Por acaso não devo amá-la tanto quanto a vocês?” (Evangelho de Felipe, op. cit. p. 89).

Embora semelhantes relatos possam ser interpretados no sentido espiritual dos gnósticos, pois essa é sua matriz, não devemos  dizem reconhecidos exegetas (Cf. A. Piñero, El otro Jesús: la vida de Jesús en los apócrifos, Cordoba 1993 p.113)  excluir um fundo histórico verdadeiro, a saber, uma relação concreta e carnal, intelectual e espiritual de Jesus com Míryam de Mágdala.
   
Por que não? Há algo mais sagrado que o amor efetivo entre um homem (o Filho do homem, Jesus) e uma mulher?
Um dito antigo da teologia afirma ”tudo aquilo que não é assumido por Jesus Cristo não é redimido”. Se a sexualidade não tivesse sido assumida por Jesus, não teria sido redimida. A dimensão sexuada de Jesus não tira nada de sua dimensão divina. Antes, a torna concreta e histórica. É o seu lado profundamente humano.

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Texto de Leonardo Boff, postado em português em 23/02/2018 e traduzido para o italiano em 01/03/2018.
Leonardo Boff escreveu: O rosto materno de Deus, Vozes 2005.

Crédito das Imagens:

1 - Santa Ana - reprodução de um particular da obra de Leonardo da Vinci, exposta, no Louvre, ao lado do famoso quadro da Monalisa.
2 - Jesus e Míryiam de Mágdala (Maria Madalena) - Foto de uma imagem pictórica adquirida no Mosteiro São João, em Campos de Jordão, sem indicação do autor - www.mosteirosaojoao.cjb.net 

Nota: As imagens aqui publicadas pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com: vrblog@hotmail.com


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