Estive ausente do Brasil por vinte dias e enfrentei um período dos mais frios da Itália. Bem diferente do ano anterior, comentavam os amigos. O foco da minha viagem foi a oportunidade de uma audiência concedida pelo Papa Francisco — em 4 de fevereiro de 2017 — ao Movimento Economia de Comunhão, do qual sou membro e consultora voluntária.
Trago, pois, a este espaço, as palavras incisivas e as orientações convocadoras que ouvimos na Sala Paulo VI, aberta para acolher cerca de 1200 participantes de dezenas de países, entre esses 62 provenientes do Brasil. Ali tivemos a alegria de escutar, pessoalmente, num momento de grande emoção, o que o papa Francisco expressou, pela primeira vez, sobre a atuação da Economia de Comunhão no mundo (também conhecida como EdC).
Expressando o nosso desejo, o economista e professor Luigino Bruni agradeceu — em nome de todos os nossos parceiros do mundo inteiro, mesmo os não cristãos — por o papa ser uma presença tão fértil no mundo atual.
Vejo-o com um significante agente da fraternização dos povos e das pessoas que prezam pela liberdade, pela justiça e pela comunhão. Ele se expressa como se o seu coração contivesse o peso e a leveza da vida de todos nós. Naquele momento, em comunhão com ele, estávamos todos prontos a assumir novos compromissos para os próximos anos.
Vejo-o com um significante agente da fraternização dos povos e das pessoas que prezam pela liberdade, pela justiça e pela comunhão. Ele se expressa como se o seu coração contivesse o peso e a leveza da vida de todos nós. Naquele momento, em comunhão com ele, estávamos todos prontos a assumir novos compromissos para os próximos anos.
A releitura de suas palavras — divulgadas em vários idiomas, no portal www.vatican.va — traz um animador incentivo aos projetos EdC disseminados em mais de oitenta países.
Segue abaixo uma versão do discurso, na tentativa de manter fidelidade ao seu pronunciamento original, em italiano. Os negritos são nossos. (*)
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Segue abaixo uma versão do discurso, na tentativa de manter fidelidade ao seu pronunciamento original, em italiano. Os negritos são nossos. (*)
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É com prazer que vos recebo, como
representantes de um projeto no qual estou há muito tempo sinceramente interessado.
Dirijo a minha cordial saudação a cada um de vós e agradeço de maneira especial ao coordenador, Professor Luigino Bruni, as amáveis expressões que me dirigiu. Obrigado também pelos testemunhos!
Dirijo a minha cordial saudação a cada um de vós e agradeço de maneira especial ao coordenador, Professor Luigino Bruni, as amáveis expressões que me dirigiu. Obrigado também pelos testemunhos!
Economia e Comunhão. Duas palavras
que a cultura atual mantém bem separadas e muitas vezes as considera em
oposição. Duas palavras que vós, ao contrário, unistes, aceitando o convite que
há vinte e cinco anos vos dirigiu Chiara
Lubich, no Brasil,
quando, diante do escândalo da desigualdade na cidade de São Paulo, pediu aos
empresários que se tornassem agentes de comunhão. Exortando-vos a ser criativos
e competentes, mas não só isto. Vós considerais o empresário como um agente
de comunhão. Ao instilar na economia o bom germe da
comunhão, destes início a uma profunda mudança no modo de ver e de viver a
empresa. A empresa não apenas pode não destruir a comunhão entre as pessoas,
mas ainda pode edificá-la, pode promovê-la.
Mediante a vossa vida, vós
demonstrais que Economia e Comunhão se tornam melhores quando uma está ao lado
da outra. Melhor a economia, sem dúvida, e melhor também a comunhão, porque a comunhão espiritual dos corações
é ainda mais completa quando se torna comunhão de bens, de talentos e de
lucros.
Pensando no vosso compromisso,
hoje gostaria de vos dizer três coisas.
A primeira refere-se ao dinheiro. É
muito importante que ao centro da Economia de Comunhão esteja a comunhão dos
vossos lucros. A Economia de Comunhão é também comunhão dos ganhos, expressão
da comunhão da vida.
Muitas vezes falei do dinheiro
como ídolo. A Bíblia diz-nos isto de várias maneiras. Não é por acaso que o
primeiro ato público de Jesus, no Evangelho de João, é a expulsão dos
mercadores do templo (cf. 2,13-21). Não podemos compreender o novo Reino
trazido por Jesus, se não nos libertamos dos ídolos, dentre os quais um dos
mais poderosos é o dinheiro. Portanto, como é possível ser mercadores que Jesus
não expulsa?
O dinheiro é importante, sobretudo
quando não há e dele dependem a comida, a escola e o futuro dos filhos. Mas
torna-se ídolo quando é a finalidade. A avareza, que não por acaso é um vício
capital, constitui um pecado de idolatria porque a acumulação de dinheiro para
si mesmo se torna a finalidade do próprio agir. Mas foi precisamente Jesus quem
atribuiu a categoria de «senhor» ao dinheiro: «Ninguém pode servir a dois
senhores, a dois patrões». São dois: Deus
ou o dinheiro, o
anti-Deus, o ídolo. Foi isto que Jesus disse. No
mesmo nível de opção. Pensai
sobre isto!
Quando o capitalismo faz da busca
do lucro o seu único objetivo, corre o risco de se tornar uma estrutura
idolátrica, uma forma de culto. A «deusa da fortuna» é cada vez mais a nova
divindade de certas finanças, e de todo o sistema do jogo de azar que continua
a destruir milhões de famílias no mundo, e que vós justamente combateis. Este
culto idolátrico é um sucedâneo da vida eterna. Cada um dos produtos
(automóveis, celulares...) envelhecem e se desgastam, mas se tenho o dinheiro
ou o crédito posso adquirir outros, imediatamente, criando a ilusão de derrotar
a própria morte.
Compreende-se, então, o valor
ético e espiritual da vossa escolha de colocar o lucro em comum. O modo melhor e mais concreto
para não fazer do dinheiro um ídolo é comparti-lo, partilhá-lo com os
outros, principalmente com os pobres, ou possibilitar aos jovens de estudar e
de trabalhar, vencendo a
tentação idolátrica mediante a comunhão.
Quando compartilhais e doais o
vosso lucro, estais realizando um gesto de elevada espiritualidade, dizendo com
os fatos ao dinheiro: tu
não és Deus, tu não és senhor, tu não és patrão! E não vos esqueçais também da alta
filosofia e da alta teologia que levavam as nossas avós a dizer: «O diabo entra
pelos bolsos». Não vos esqueçais disto!
A segunda coisa que vos quero
dizer refere-se à pobreza – um tema central no vosso
movimento.
Hoje são realizadas múltiplas
iniciativas, públicas e particulares, para combater a pobreza. E, de certo
modo, tudo isto é um crescimento em humanidade. Na Bíblia os pobres, os órfãos,
as viúvas e os «descartes» da sociedade daquela época eram ajudados com o
dízimo e com a colheita do trigo. Mas a maioria do povo permanecia pobre, pois
aquela ajuda não era suficiente para alimentar e cuidar de todos. Os
«descartes» da sociedade eram numerosos. Hoje inventamos outros modos para
cuidar, alimentar e educar os pobres, e algumas das sementes da Bíblia
floresceram em instituições mais eficazes do que aquelas antigas. A razão dos
impostos também contempla esta solidariedade, a qual é negada pela
evasão e pela fraude fiscal, que antes de serem ações ilegais, são atitudes que
negam a lei básica da vida: a ajuda recíproca.
No entanto — e nunca será
suficiente afirmar isto — o
capitalismo continua a produzir os "descartes" e só
depois sai em busca de solução. O principal problema ético deste capitalismo é
a criação de descartes para depois os esconder ou cuidar, a fim de não serem
percebidos. Uma grave forma de pobreza de uma civilização é já não
conseguir ver os seus pobres, que primeiro são descartados e depois escondidos.
Os aviões poluem a atmosfera, mas
com uma pequena parte do dinheiro da passagem plantarão árvores para compensar
parte do dano causado. As sociedades dos jogos de azar financiam campanhas para
curar os jogadores patológicos que elas mesmas criam. E no dia em que as
empresas de armamento financiarem hospitais para curar as crianças mutiladas
por suas bombas, o sistema terá alcançado o seu apogeu. Esta é a hipocrisia!
Se quiser ser fiel ao seu carisma, a Economia de Comunhão não deve
apenas curar as vítimas, mas construir um sistema no qual haja cada vez menos
vítimas e, na medida do
possível, deixem de existir. Enquanto a economia ainda produzir
uma só vítima, enquanto houver uma única pessoa descartada, a comunhão não se
terá realizado, a festa da
fraternidade universal não será completa.
Então, é preciso apostar na
mudança das regras de jogo do sistema econômico-social. Imitar o bom samaritano do
Evangelho não é suficiente. Sem
dúvida, quando o empresário ou qualquer pessoa se depara com uma vítima, é
chamada a cuidar dela e, ainda, como o bom samaritano, a associar inclusive o
mercado (o hospedeiro) à sua ação de fraternidade.
Sei que procurais fazer isto há
vinte e cinco anos. Mas, é
necessário agir, sobretudo antes que
o homem caia nas mãos dos salteadores, combatendo
contra as estruturas de pecado que produzem bandidos e vítimas. Um empresário que é apenas um bom
samaritano cumpre metade do seu dever: cuida
das vítimas de hoje, mas não reduz aquelas de amanhã.
Para realizar a comunhão é
necessário imitar o Pai
misericordioso da parábola do filho pródigo e esperar em casa os filhos, os
trabalhadores e colaboradores que erraram, e ali abraçá-los e festejar com eles
e por eles — sem se deixar limitar pela meritocracia invocada pelo filho mais
velho, e por tantas pessoas que em nome do mérito negam a misericórdia.
O empresário de comunhão é chamado
a fazer de tudo para que, até os que erram e deixam a própria casa possam
esperar tendo um trabalho e uma renda digna, sem se ver a comer com os porcos. Nenhum filho, nenhum homem, nem
sequer o mais rebelde, merece sobras.
Finalmente, a terceira coisa diz
respeito ao futuro.
Estes vinte e cinco anos da vossa história dizem que a comunhão e a empresa podem estar e crescer juntas. Uma experiência que por enquanto se limita a um exíguo número de empresas, muito pequeno se o compararmos com o grande capital do mundo. Mas as mudanças na ordem do espírito - e por conseguinte da vida - não estão vinculadas a números elevados. A pequena grei, a lâmpada, uma moeda, um cordeiro, uma pérola, o sal, o fermento: são estas as imagens do Reino que nós encontramos nos Evangelhos. E os profetas nos anunciaram um novo tempo de salvação, indicando-nos o sinal de um menino, o Emanuel, e falando-nos de um «resto» fiel, de um pequeno grupo.
Não é necessário que sejamos
numerosos para mudar a nossa vida: basta que o sal e o fermento não se
desvirtuem. O grande trabalho que se deve levar a cabo consiste em procurar não perder o «princípio
ativo» que vos anima: o sal não desempenha a sua função
crescendo em quantidade, mas salvando a sua «alma», ou
seja, a sua qualidade. Quando é demais, o sal, pelo contrário, torna
a massa salgada. Todas as vezes que as pessoas, os povos e até a Igreja
pensaram em salvar o mundo crescendo em número, produziram
estruturas de poder esquecendo-se dos pobres. Salvemos
a nossa economia permanecendo simplesmente sal e fermento: um trabalho difícil, porque com o
passar do tempo tudo decai. Como fazer para não perder o princípio ativo, a
“enzima” da comunhão?
Quando não havia frigoríficos, para
conservar o fermento mãe do pão oferecia-se à vizinha um pouco
da própria massa fermentada, e quando era necessário voltar a fazer o pão,
recebia-se um punhado de massa levedada daquela mulher ou de outra qualquer
que, por sua vez, já a tinha recebido. É
a reciprocidade.
A comunhão não é somente divisão, mas é
também multiplicação dos bens, criação de um novo pão, de novos bens,
de um novo Bem com a letra maiúscula. O princípio vivo do Evangelho só permanece
ativo se o oferecermos, porque é amor, e o amor é concreto quando amamos, não quando escrevemos romances, nem
quando assistimos a telenovelas. Mas, ao contrário, se o conservarmos de forma
ciumenta, total e unicamente para
nós, ele mofa e morre. E o Evangelho pode mofar-se.
A Economia de Comunhão terá um futuro se a comunicardes a
todos, se não permanecer apenas dentro da vossa «casa». Oferecei-a a todos, e em primeiro lugar aos pobres e
aos jovens, que são os
que mais precisam dela e mais sabem fazer frutificar o dom recebido!
Para ter vida em abundância, é necessário aprender a doar: não só o
lucro das empresas, mas doar-vos
a vós mesmos. O
primeiro dom do empresário é a sua própria pessoa: não obstante seja importante, o vosso
dinheiro é pouco demais. O
dinheiro não salva, se não estiver acompanhado pelo dom da própria pessoa. A
economia de hoje, os
pobres, os jovens têm necessidade em primeiro lugar da vossa alma, da vossa
fraternidade respeitosa e humilde, da vossa vontade de viver, e só depois do
vosso dinheiro.
O capitalismo conhece a
filantropia, não a comunhão. É
simples doar uma parte dos lucros, sem abraçar nem tocar as pessoas que recebem
aquelas «migalhas». Ao
contrário, até cinco pães e dois peixes podem alimentar multidões, se forem a
partilha de toda a nossa vida. Na lógica
do Evangelho, se não se dá tudo, nunca se doa o suficiente.
Vós já fazeis estas coisas. Mas podeis compartilhar em maior medida
os vossos lucros para combater a idolatria, mudar as estruturas para prevenir a
criação de vítimas e dos descartes; oferecer
mais do vosso fermento para levedar o pão de muitos. O «não» a uma
economia que mata se torne um «sim» a uma economia que faz viver, porque compartilha, inclui os pobres e usa
os ganhos para criar comunhão.
Desejo-vos que prossigais pelo vosso caminho, com coragem, humildade e alegria. «Deus ama quem doa com alegria» (2 Cor 9,7). Deus ama os vossos lucros e talentos oferecidos com alegria. Já o fazeis; podeis fazê-lo ainda mais.
Faço votos que continueis a ser
semente, sal e fermento de outra economia: a economia do Reino, na qual os ricos sabem compartilhar as suas
riquezas e os pobres são chamados bem-aventurados.
Obrigado!"
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(*) Nota de Vanise Rezende a esta sua versão do discurso de Papa Francisco:
"Esta versão se baseia no texto do discurso divulgado no portal: www.vatican.va, porém resulta de uma comparação entre o discurso original – em italiano – e aquele em português. Possivelmente, por não conhecer bem o argumento tratado, o autor ou autora da versão portuguesa citada, não tenha conseguido manter uma melhor aproximação com o discurso original".
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Todas as imagens que ilustram esta postagem foram copiadas do portal http://www.edc-online.org/br:
1. Papa Francisco saúda os atuais responsáveis mundiais do Movimento dos Focolares: a teóloga italiana Maria Voce - Emmaus e o sacerdote e antropólogo espanhol Jesus.
2. Saudação do papa Francisco a representantes EDC de alguns países. No círculo, pela esquerda do papa: o economista coordenador da equipe internacional EdC: Professor Luigino Bruni; um representante africano; Maria Helena Faler, presidente da Associação Nacional por uma Economia de Comunhão; e Florencia Locascio, jovem argentina que integra a equipe internacional da EdC. O senhor à direita é do protocolo do Vaticano.
3. Papa Francisco desce à plateia para cumprimentar alguns dirigentes da EdC de diversos países.
4. Imagem de Papa Francisco publicada após o evento.
5. Rita Najjingo, jovem empresária ugandense em seu ambiente de trabalho.
Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com vrblog@hotmail.com
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