RETROCESSO
Atual proposta do Governo, encerra o Bolsa Família e deixa 22 milhões sem o benefício
Essa proposta “desorganiza para não funcionar”, diz Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
11 de Agosto de 2021
"Estão pegando algo certo, que funciona, jogando na lata do lixo, e trocando por uma aventura", diz Tereza Campello sobre substituição do bolsa Família pelo Auxílio Brasil de Bolsonaro-Rafael Lampert Zart/Agência Brasil.
A medida provisória (MP) - que foi enviada ao Congresso pelo Governo, na segunda-feira 9 de agosto - revogando o programa Bolsa Família e criando o Auxílio Brasil, é vista com preocupação pela especialista e ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello. Reproduzimos, aqui, sua entrevista ao jornalista Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, na quarta-feira 11/08/2021.
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A economista e professora titular da Cátedra Josué de Castro da Universidade de São Paulo (USP) apontou uma série de erros da proposta que desmontam a concepção do programa de transferência de renda.
O mais grave, de acordo com a economista Tereza Campello, é que a medida de Bolsonaro irá promover a “maior exclusão da história da proteção social”, com 22 milhões de beneficiários a menos. A ex-ministra observa que a MP, além de revogar o Bolsa Família, também acaba com o auxílio emergencial. Com isso, milhões de pessoas ficarão desassistidas em meio à crise sanitária e econômica.
Milhões de
excluídos
Ao contrário do que vem alegando o
governo, de que o número de pessoas que hoje recebem o benefício social irá
aumentar, o Auxílio Brasil, segundo a própria União, deve contemplar de
16 a 17 milhões de pessoas – a MP não esclarece esse ponto. O total representa
a retirada de pelo menos 22 milhões de pessoas a menos do atual contingente de
39 milhões de beneficiários do auxílio emergencial. Um número já inferior aos 68 milhões de
brasileiros que recebiam as parcelas do Auxílio, em abril de 2020. Tereza
calcula que, hoje, o Bolsa Família alcance 14,6 milhões de beneficiários. Se o
Auxílio Brasil passar a atender 17 milhões, os cerca de 2 milhões a mais de
pessoas que serão integradas são os que hoje já estão na fila de espera do programa.
O novo desenho do programa, também coloca em xeque o Cadastro Único, o que pode ampliar o processo de exclusão. Na sua concepção, “o Cadastro Único não é uma plataforma digital, não é um banco de dados. É toda uma tecnologia social, humanizada, de inclusão dessas famílias. É o Cadastro Único que informa quem são essas famílias e como a rede de assistência social pode construir políticas para garantir que essas pessoas sejam incluídas. Eles (do governo Bolsonaro) transformam tudo isso em um aplicativo, o que já vimos que não dá certo. Como não funcionou no auxílio emergencial, que foi mais uma barreira de entrada para as famílias”, critica a ex-ministra.
Retrocessos
“Muita gente ficou fora do auxílio
emergencial. Esse governo já gerou um processo de exclusão, que começou com
68 milhões de pessoas e agora vai cair para 16 milhões. Além de todos aqueles
que já ficaram fora, são quase 50 milhões de beneficiários excluídos”,
completa.
A atual proposta do governo Bolsonaro também acaba com a participação do Sistema
Único de Assistência Social e desorganiza o Bolsa Família - uma
referência internacional há 18 anos e já estabelecido com as prefeituras dos
mais de cinco mil municípios brasileiros.
O texto da MP que cria o Auxílio Brasil também não define o reajuste do benefício. Mas o governo fala em “turbiná-lo”, especulando em R$ 300 o valor médio das novas parcelas. A especialista defende que é preciso ampliar o Bolsa Família, mas explica que não há avanços no Auxílio Brasil. Na comparação com o montante pago no último ano do governo Dilma, de R$ 165,33, o novo total previsto comprará, contudo, os mesmos 47% da cesta básica de alimentos que os beneficiários já conseguiram em 2016.
Fake news do governo
“Nós estamos defendendo a atualização do valor do Bolsa Família. Agora, isso que eles estão falando de ‘turbinar’ não é turbinar nada. É atualizar o valor que estava congelado. A grande questão é que em 2014 tínhamos a menor taxa de desemprego da história, e o Brasil tinha saído do Mapa da Fome.
Hoje a situação é
muito grave. Temos em torno de 21 milhões de
brasileiros desempregados, se considerarmos os 15 milhões de desempregados e
mais os 6 milhões que sequer estão procurando emprego”, aponta a ex-ministra.
Diante desse
cenário, o valor do benefício “teria que ser muito maior”. “Continuamos defendendo que essas famílias tenham
acesso ao equivalente a uma cesta básica, porque estamos em uma situação muito
crítica. Então, a luta pelo auxílio de R$ 600 tem que continuar. Nós temos
que transitar para um Bolsa Família ampliado, que inclua as famílias. Não
apenas os dois milhões que estão na fila, mas outras que deveriam ser
incorporadas com uma mudança de critério. Estamos defendendo ampliar o
Bolsa Família, o valor, o número de pessoas, mas o que o governo está fazendo
não é isso. É mais uma fake news desse
governo”.
A proposta de Bolsonaro ainda altera a concepção do Bolsa Família e torna sua execução impossível, de acordo com a economista. Ela contesta o que classifica como “penduricalhos”. De redação confusa, a MP estabelece modalidades distintas de benefícios, sem transparência e critérios evidentes. Cita, por exemplo, a criação de um “auxílio esporte escolar” e uma “bolsa de iniciação científica júnior”.
Bolsonaro
repassa a culpa
A ex-ministra afirma que “estão jogando dentro do Bolsa Família um conjunto de políticas que, na verdade, deveriam ser executadas pelos ministérios da Economia e da Ciência e Tecnologia. É um erro atrás do outro. Uma colcha de retalhos que não vai funcionar.”
“Tem um dos auxílios que diz que quem
arranjar um emprego formal vai ganhar um plus, um valor a
mais. Como se a culpa de estar desempregado, ou na informalidade fosse da
chefia de família, quando na verdade o país não tem emprego. Não é a agenda
social que tem que criar emprego. Quem tem que promovê-los é esse governo,
que não tem política industrial, não organiza a economia e não oferta
qualificação profissional”.
Pedalada e desmonte
A economista também contesta que o projeto do
Auxílio Brasil não cita a fonte de financiamento. Do jeito que foi
apresentado, a MP tem duas falhas: “é uma irresponsabilidade do ponto de
vista fiscal.” “A proposta não diz de onde virá o dinheiro, não garante
sustentabilidade, quando afirma que virá das privatizações. Ou seja, não é
um dinheiro continuado. Você não pode construir um programa para 100 milhões de
brasileiros e dizer que esse dinheiro vem da desestatização, porque não é um
dinheiro contínuo. Por outro lado, o governo desorganiza a política pública
para ela não funcionar”.
A avaliação geral, finaliza Tereza Campello, é que o governo Bolsonaro acaba com as premissas sociais, de garantir acesso à saúde e combater a evasão escolar, para atender interesses do setor privado. Entre as mudanças contidas na MP, a gestão federal quer que até 30% do valor do benefício possa ser descontado na fonte para abater empréstimos consignados – vistos como solução para reduzir os impactos da pobreza. A medida pode levar ao endividamento e à inadimplência das famílias. “Estão pegando algo certo e que funciona, jogando na lata do lixo, e trocando por uma aventura.”
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https://www.youtube.com/watch?v=-qS1Jq-QdOQ
Tereza Campelo, entrevistada pelo jornalista Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual.
Professora Titular da Cátedra Josué de Castro da Universidade de São Paulo, Tereza Campello foi Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no Governo Dilma Rousseff. Campello foi entrevistada no Jornal Brasil Atual desta quarta-feira. Na conversa com o jornalista Glauco Faria, ela fez uma análise sobre o Auxílio Brasil, programa do governo de Jair Bolsonaro que irá substituir o Bolsa Família.
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