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LITERATURA - EDUARDO GALEANO - 80 ANOS - SEMPRE PRESENTE

04 setembro, 2020

No dia 2 de setembro de 2020 o reconhecido escritor uruguaio e, merecidamente, um dos maiores escritores latino-americanos, EDUARDO GALEANO estaria sendo festejando, em muitos países, por seus 80 anos. Certamente ainda o fazem -  como fez o portal Carta Maior -  publicando um texto de Aram Aharonian, jornalista uruguaio, amigo de Galeano, que nos dá uma visão da sua atividade como escritor, e do seu "aprendizado" como exilado – voluntário ou não  em outros países. Por razões de espaço, alguns trechos do artigo original foram omitidos.

Como leitora e grande admiradora de Eduardo Galeano, bem que gostaria de ver a Editora Nova Fronteira, a Saraiva ou a LP&M realizarem, neste ano, alguma campanha de divulgação de seus livros  neste momento tão necessários e atuais facilitando o acesso a tão precioso tesouro aos jovens estudantes e universitários.     


Promover o acesso aos livros de Galeano hoje, no Brasil, seria uma façanha mais eficaz e bem mais efetiva do que certas "lives" que se ocupam apenas de "pixar" o nome do inominável que preside o nosso país. Os jovens de hoje mereceriam ter acesso às curtas histórias de Galeano, para se perceberem integrantes de um povo sofrido, sim, mas lutador, cabeça erguida, pensante e operante como alguns, individualmente ou em coletivos, têm agido e procurado dialogar sobre o Brasil que queremos amanhã. Um amanhã cuja alvorada deve surgir sem mais tardar. 

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Os 80 anos de Eduardo Galeano

       A vigência de um escritor comprometido


Por: Aram Aharonian

Tradução de: Vanise Rezende


No dia 3 de setembro de 1940 nascia, em Montevideo, o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano. O autor de As veias abertas da América Latina, falecido em 13 de abril de 2015, estaria completando 80 anos. Considerado um dos mais importantes escritores da literatura latino-americana, seus trabalhos transcendem gêneros ortodoxos e combinam documentário, ficção, jornalismo, análise política e história.

Galeano, um sedutor da palavra, é considerado o mestre dos relatos curtos. Fundador da revista Crisis, (em Montevideu) e autor de livros como Memória de fogo, ele foi preso e obrigado a abandonar o Uruguai em 1973 (período da ditadura militar), quando foi para a Argentina. Logo depois, em 1976, teve que exilar-se fugindo da ditadura. De consequência, seu livro, As veias abertas na América Latina foi proibido em boa parte da região.

A editora uruguaia Siglo XXI, que publicou todos os seus livros, anunciou que lançará em redes sociais a hashtag #Galeano, para convidar a partilhar seus textos. Estarão disponíveis os livros; Bocas del tempo, El fútbol a sol y sombra, El libro de los abrazos, Espejos, os três volumes de Memoria del fuego, Días y noches de amor y guerra, El cazador de historias e Los hijos de los días, entre otros.

Eduardo da América (Lapobre)

Eduardo Germán María assumiu - na assinatura - o sobrenome materno Galeano, para não usar o paterno Hughes, anglo-saxão, mesmo se usava o Gius para assinar seus cartuns. Frustrou-se como jogador de futebol, foi trabalhador, mensageiro, cartunista, jornalista e finalmente escritor, para “ajudar a resgatar as cores e a luz do arco-íris humano, algo mutilado por anos, séculos, milênios de racismo e machismo, guerras e muito mais. Sim, irmão, somos muito mais do que nos dizem.” (...)


Caminhante incansável pela Lapobre América, foi correspondente da Prensa Latina na Venezuela e, para não perder as praias de Montevidéu, hospedou-se no decadente Hotel La Alemania em Macuto, a cerca de 40 quilômetros de Caracas. Muitos anos depois, ao esquecer que quase morreu de malária nos trópicos (escreveu uma história sobre seu delírio), conseguira banhar-se novamente no Caribe, em frente ao mesmo hotel que resistira à ocupação de 1999.

Seu amigo Luis Britto García conta que cada vez que a polícia ou o vírus ou os infartos atacavam Galeano, ele saía mais fortalecido. Os exílios consecutivos o separam da edição de Marcha y de Época (em Montevidéu) e Crisis, uma das revistas de repercussão continental que encerrou na ditadura argentina em 1973. No exílio em Barcelona, ​​as autoridades exigiam que ele tivesse um emprego para renovar o visto, mas não o deixavam trabalhar se não tivesse o visto renovado.

Campeão em exílios, Eduardo experimentou vários gêneros literários para conseguir que a plenitude de suas mensagens chegassem a todos. Conheceu e viveu com guerrilheiros mayas, mineiros bolivianos e garimpeiros venezuelanos, consciente de que dessa fragmentação iria nascer a totalidade no seu Memória do Fogo, mural no qual as partes se olham com o todo, feito de detalhes que resultam em leis gerais e análises ágeis feito aforismos. Seu amigo Luís Britto García anima-se a dizer que ao tratar a história como uma novela emocionante e a mitologia indígena como notícia, e denunciá-la como poesia, Galeano seguia cada vez mais propenso à antologia, porque tudo nele é “antologizável”.

Em “Memórias do Fogo” Galeano escreve: “Acho admirável a capacidade dos povos indígenas das Américas de perpetuar uma memória que foi queimada, punida, enforcada e desprezada por cinco séculos. E toda a humanidade deve ser muito grata a ele, porque graças a essa memória teimosa sabemos que a terra pode ser sagrada, que fazemos parte da natureza, e que a natureza não acaba conosco.

As veias abertas da América Latina” – o livro que Hugo Chávez deu a Barack Obama para que ele pudesse entender a América Latina triturava a barbárie americana no continente, o fervor gringo para apoiar ditaduras e genocídios e poderem realizar seus negócios. "Minha intenção era escrever um livro de economia política, mas não tive treinamento ou preparação suficiente", disse ele. Chegou a reconhecer,  com humor, que não poderia lê-lo novamente porque desmaiaria: "Para mim essa prosa de esquerda tradicional é extremamente pesada e minha mente não tolera isso." Obviamente a direita tentou usá-lo contra ele, embora o que conseguiu foi atiçar o interesse de muitos que ainda não o haviam lido. Seu livro “Mulheres” nos envenena de beleza e feminismo, com a ajuda de Helena Villagra a sonhadora, sua esposa há quatro décadas.

Eduardo era um grande ouvinte, o cacique Oreja Abierta, como ele próprio se definia. Sempre falou sobre e pela juventude, sobre e para os indígenas, contra os narcoestados e o neoliberalismo, a favor da ecologia e da legalização das drogas. Eduardo falava contra o esquecimento e o resgate da memória para encontrar os caminhos do futuro comum. Mas ele também era um exilado político, do qual se absteve de fazer uma profissão. Saiu do Uruguai depois de ser preso pela ditadura, cruzou o Río de la Plata para morar na Argentina, mas – ameaçado de morte – teve que voltar novamente para a Espanha. Na Catalunha.

Em 1985 regressou a Montevideo, onde foi cofundador do semanário Brecha. Nesse mesmo ano obteve o Prêmio Stig Dagerman. Ao longo de sua vida recebeu diversos doutorados Honoris Causa de universidades de Cuba, El Salvador, México e Argentina. Em 2010 recebeu o Prêmio Manuel Vázquez Montalbán, na categoria Jornalismo Esportivo e em 2013 a Ordem Simón Rodríguez das mãos de Nicolás Maduro – Chávez não sobreviveu para entregá-la a ele, depois que ele recusara uma condecoração com o nome de Francisco de Miranda, “agente inglês”. (...)

Sempre do lado dos pobres, dos indignados, do seu ativismo social e do compromisso com os desprotegidos, levaram-no a Chiapas para conhecer de perto o Exército Zapatista de Libertação Nacional, experiência que acumulou ao longo de vários anos em diversos artigos, por exemplo, em A Marcha Universal (2001). 

“Quem fala do problema indígena terá que começar a reconhecer a solução indígena. Afinal, a resposta zapatista a cinco séculos de mascaramento, o desafio dessas máscaras que desmascaram, é tirar o esplêndido arco-íris que contém o México e dar esperança aos condenados à espera perpétua”. “Os indígenas, ao que parece, são apenas um problema para aqueles que lhes negam o direito de ser o que são e, portanto, negam a pluralidade nacional e negam o direito dos mexicanos de serem totalmente mexicanos sem as mutilações impostas pela tradição racista, que torna a alma anã e amputa as pernas”.

Em 2008, Galeano recebeu a distinção do Mercosul  o primeiro ilustre cidadão da sub-região  e fez um discurso inesquecível, no qual se disse um “patriota de vários países”. “Só estando juntos poderemos descobrir o que podemos ser, contra uma tradição que nos treinou para o medo, a resignação e a solidão, e que a cada dia nos ensina o desamor”, disse. (...)

Foi solidário com os palestinos ("Desde 1948 eles estão condenados à humilhação perpétua. Eles não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Eles nem mesmo têm o direito de eleger seus governantes."), com os povos indígenas, os haitianos, os povos subjugados que lutam por seu futuro. Também foi solidário com seus amigos, que soube espalhar pelas Américas e pelo mundo. Indignados, os lutadores da América Lapobre e do mundo perderam um de seus guias, uma de suas poucas referências intelectuais e políticas das últimas cinco décadas. E um amigo.

Dizia: “A identidade não é uma peça de museu ainda na janela, mas a síntese sempre surpreendente das nossas contradições quotidianas. Nessa fé, fugitivo, eu creio. Acho que é a única fé confiável, pelo quanto se parece com o inseto humano, ferrado mas sagrado, e a louca aventura de viver no mundo (...) Afinal, somos o que fazemos para mudar quem somos dos medos nasce a coragem, e das dúvidas as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível, e os delírios, outra razão”.

Eduardo Edu, Gius, Dudi, Abu é hoje um legado de milhões de palavras escritas em inúmeros livros, ditas em múltiplas falas, convertidas em texto, som e imagem, arrebatadas por milhares e milhares de jovens e adultos, homens e mulheres. Insatisfeito com todo o planeta, nas entrevistas concedidas, em todas aquelas frases que assombram a Internet ... e que hoje, felizmente, as novas gerações procuram.

  “Este é um mundo violento e mentiroso, mas não podemos perder a esperança e o entusiasmo para mudá-lo ... a grandeza humana está nas pequenas coisas que se fazem diariamente, no dia-a-dia que os anônimos fazem sem saber o que fazem.” – É assim que ainda o vemos.

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(*) Aram Aharonian é jornalista uruguaio, cientista da comunicação e Mestre em Integração. Fundador da Telesur, hoje preside a Fundação para a Integração da América Latina (FILA) e dirige o Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE, www.estrategia.la) e Susrysurtv.

 

Crédito das imagens:

1. Galeano - www.arte.culturaculturaeatualidades.com.br.jpg

2. Velório de Galeano - Mujico visita Helena - divulgação

3. Joven leitor no YouTube - www.aviagendosargonautas.net.jpg

4. Galeano na Flip - 2009. Divulgação.

5. Galeano - www.escritores.org.index.jpg

6. Galeano  - www.brasil.espaís.com.jpg

 * As capas dos livos são reprodução de divulgação das respetivas editoras.


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