Documento denuncia exemplos de exclusão e silenciamento contra LGBTI+ Foto de: Júlio César Silva - Divulgação Koinonia
O 1º Congresso entre pessoas de Igrejas e Comunidades LGBTI+ e de outras expressões de gênero – que foi anunciado neste espaço – foi realizado nos dias 19 a 23 de junho, na cidade de São Paulo. Os participantes produziram e divulgaram um documento – denominado CARTA DE SÃO PAULO – que reivindica um olhar dialogal mais atentivo, inclusivo e fraterno para questões não só atinentes ao campo das diferentes expressões da sexualidade humana, mas ainda às políticas públicas do país e às questões normativas e "exemplares" das Igrejas Cristãs.
Após
quatro dias de diálogos, debates e apresentação de experiência foi
emitido um expressivo documento que expõe “um sistema que tem produzido exclusões,
apagamentos, sofrimentos, violências e mortes,” e afirma que as mortes de
pessoas LGBTI+ e de outras expressões de gênero “no Brasil e na
América Latina, estão atravessadas pela teologia cristã hegemônica.”
Entre as graves denúncias da
Carta, afirma-se que “muitas comunidades de fé, sobretudo entre as cristãs,
tenham se tornado espaços de silenciamento, opressão, humilhação, exclusão e
abuso espiritual, psíquico, econômico e sexual. Máximas como “Deus ama o
pecador, mas odeia o pecado” e “macho e fêmea os criou” são frequentemente
utilizadas para produzir medo, vergonha, culpa e silenciamento.”
A
Carta ainda chama a atenção para o fato de que as Comunidades LGBTI+ e outras
expressões de gênero, assim como toda e qualquer pessoa, “têm direito a ser
respeitadas, acolhidas, reconhecidas, e a participar plenamente da vida de fé
de suas comunidades religiosas assumindo, inclusive, lugares de tomada de
decisão e posições de ministérios, pastorais, liderança e protagonismo. Esse
direito não é exclusivo de homens cisgênero [pessoa que se identifica com a sua constituição hormonal e genital de nascença] e de pessoas heterossexuais e
brancas.”
O documento é assinado por pessoas ligadas a 57 instituições
religiosas, “não igrejeiras”, ateístas e participantes de organizações tais
como o Movimento Negro, a CPT - Comissão Pastoral da Terra, a Pastoral da
Juventude Rural, a Koinonia e outras. Veja abaixo a reportagem da CPT Nacional sobre o evento.
----------------------------------------------------------------
1º Congresso Igrejas e Comunidade LGBTI+ publica carta aberta à sociedade
Por: Mário Manzi -
Assessoria de Comunicação da CPT Nacional
Realizado entre os
dias 19 e 23 de junho na cidade de São Paulo, o 1º Congresso Igrejas e
Comunidade LGBTI+ divulgou na quarta-feira, 26 de Junho, carta aberta à sociedade. O
documento político traz como proposta a afirmação de “pessoas lésbicas, gays,
bissexuais, assexuais, travestis, transexuais, não binárias, intersexo, queer e
outras expressões de gênero” frente às religiosidades e comunidades de fé, além
de denunciar experiências de exclusão contra essas pessoas. A carta foi
elaborada durante o Congresso e minuciosamente avaliada coletivamente durante
plenária, ao fim das mesas e oficinas. Leia abaixo a Carta na íntegra:
-----------------------------------------------
CARTA DE SÃO PAULO
1º Congresso Igrejas e Comunidade LGBTI+
Diálogos Ecumênicos para o Respeito à
Diversidade
Nós, pessoas
reunidas no 1º Congresso Igrejas e Comunidade LGBTI+, realizado na
cidade de São Paulo, na Paróquia da Santíssima Trindade da Diocese
Anglicana de São Paulo/IEAB, entre os dias 20 a 22 de junho de 2019,
e coorganizado por Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, produzimos a
seguinte Carta de São Paulo:
Afirmamos que
pessoas lésbicas, gays, bissexuais, assexuais, travestis, transexuais, não
binárias, intersexo, queer e outras expressões de gênero, assim como toda e
qualquer pessoa têm direito de buscar a Deus, o sagrado, a espiritualidade, a
fé, a verdade, o amor em qualquer espaço religioso, principalmente em suas
tradições de origem. Esse direito não é exclusivo das pessoas cisgênero,
heterossexuais e brancas.
Afirmamos que as
pessoas lésbicas, gays, bissexuais, assexuais, travestis, transexuais, não binárias,
intersexo, queer e outras expressões de gênero, assim como toda e qualquer
pessoa, têm direito a ler, estudar, interpretar a Bíblia e outros textos
sagrados e produzir teologia, em diálogo com suas comunidades, com sua
história, com suas leituras de realidade, suas experiências de vida, fé,
sofrimento, alegria e esperança. Esse direito não é exclusivo de homens
cisgênero e de pessoas heterossexuais e brancas.
Afirmamos que as
pessoas lésbicas, gays, bissexuais, assexuais, travestis, transexuais, não
binárias, intersexo, queer e outras expressões de gênero, assim como toda e
qualquer pessoa, têm direito a ser respeitadas, acolhidas, reconhecidas, e a
participar plenamente da vida de fé de suas comunidades religiosas assumindo,
inclusive, lugares de tomada de decisão e posições de ministérios, pastorais,
liderança e protagonismo. Esse direito não é exclusivo de homens cisgênero e de
pessoas heterossexuais e brancas.
Constatamos e
lamentamos que muitas instituições têm sido cúmplices e que a linguagem religiosa
tem sido apropriada para constituir, reproduzir e perpetuar o sistema
cis-heteronormativo de controle dos corpos e subjetividades. Um sistema que tem
produzido exclusões, apagamentos, sofrimentos, violências e mortes. As mortes
de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, assexuais, mas sobretudo de travestis,
transexuais, pessoas não binárias, intersexo, queer e outras expressões de
gênero, no Brasil e na América Latina, estão atravessadas pela teologia cristã
hegemônica.
Lamentamos e
denunciamos que muitas comunidades de fé, sobretudo entre as cristãs, tenham se
tornado espaços de silenciamento, opressão, humilhação, exclusão e abuso
espiritual, psíquico, econômico e sexual. Máximas como “Deus ama o pecador, mas
odeia o pecado” e “macho e fêmea os criou” são frequentemente utilizadas para
produzir medo, vergonha, culpa e silenciamento. Discursos e práticas como essas
têm contribuído para produzir relações familiares violentas, sofrimento
psíquico e, no limite, muitos casos de depressão e suicídio entre pessoas
lésbicas, gays, bissexuais, assexuais, travestis, transexuais, não binárias,
intersexo, queer e de outras expressões de gênero, especialmente negras, pobres
e de territórios vulnerabilizados.
Lamentamos e
denunciamos que, como estratégia para alcançar representatividade, muitas
lideranças políticas e midiáticas do campo religioso, sobretudo entre cristãos,
estejam se apropriando e instrumentalizando o imaginário e a linguagem
religiosa e teológica para produzir e disseminar pânico moral, ressentimento,
medo e ódio a partir de expressões como “ideologia de gênero” e reforço da
“hombridade”. Esse modelo de atuação política, além de trair os próprios
princípios éticos cristãos e de diversas religiões, tem produzido a
fragmentação e a destruição de relações em muitas famílias e comunidades de fé.
Também tem produzido um efeito perverso de negação de direitos fundamentais de
proteção e de cidadania de diversas populações vulnerabilizadas e
estigmatizadas.
Uma das faces mais perversas desse problema tem sido a
negligência diante de questões de saúde pública, tais como a prevenção e
tratamento do HIV/aids e mortes evitáveis por abortamento inseguro, além de
incentivo à busca por reorientação sexual e de reversão de cirurgias de
redesignação sexual. Outro grave efeito tem sido a desarticulação de políticas
públicas de educação voltadas para o combate à violência e à discriminação
relacionadas a gênero e orientação sexual.
Lamentamos e
denunciamos que a linguagem religiosa e teológica venha sendo instrumentalizada,
especialmente entre cristãos, para justificar e promover o racismo religioso e
a desumanização de populações negras, povos e comunidades tradicionais do
campo, das águas e das florestas, moradores de periferias urbanas, camponeses,
imigrantes, refugiados, mulheres, LGBTQIA+ e outros grupos vulnerabilizados.
Essa desumanização tem sido a base para a necropolítica, materializada em
processos de exclusão, invisibilização, miserabilização, violência e extermínio
dessas populações. Uma das faces mais perversas desse problema tem sido os
ataques violentos a comunidades tradicionais de matriz africana e indígena,
igrejas inclusivas e outros templos e espaços religiosos não cristãos.
Lamentamos que
muitas vezes lideranças religiosas que têm assumido compromissos com o
acolhimento, o apoio pastoral e a defesa dos direitos das populações LGBTQIA+ e
outras comunidades vulneráveis estejam sendo perseguidas, excluídas e/ou
silenciadas em suas comunidades de fé e denominações religiosas de origem.
Vemos com alegria
e esperança a existência e o surgimento de novas comunidades de fé que têm
assumido a responsabilidade de acolher e de tornar-se espaços seguros para a
celebração, a partilha e a vivência da fé de pessoas LGBTQIA+ e assumido
compromissos no combate ao sexismo, às desigualdades de classe e ao racismo.
Afirmamos a importância de valorizar, visibilizar e fortalecer a atuação dessas
comunidades, bem como celebrar as gerações que nos antecederam na luta pelos
direitos de LGBTQIA+ e abriram caminhos para que novas formas de luta e de
acolhimento pudessem se tornar realidade.
Enfatizamos,
todavia, que não é suficiente o mero acolhimento formal das pessoas LGBTQIA+. É
necessário desenvolver comunidades seguras, que não reproduzam modelos de
exclusão, invisibilização, silenciamento, abuso e violência espiritual,
simbólica, psicológica, sexual, econômica e física e que criem condições para a
cura e a reconciliação diante desses processos.
A luta pela
inclusão e reconhecimento das pessoas LGBTQIA+ contra o modelo religioso
cis-heteronormativo, classista, racista e misógino não é uma necessidade e um
tema que diz respeito somente às pessoas LGBTQIA+ e de populações vulneráveis.
É uma luta que diz respeito a todas as pessoas de fé e é um elemento central da
mensagem cristã e diversas outras religiões: a reconciliação das pessoas com Deus/sagrado,
consigo mesmas, com seus corpos, com as outras pessoas e com a realidade. A
homolesbifobia é um problema das pessoas heterossexuais; a transfobia é um
problema das pessoas cisgênero; o sexismo é um problema dos homens; a injustiça
social é um problema dos ricos e o racismo é problema das pessoas brancas.
É necessário,
especialmente entre as pessoas cristãs, recuperar a mensagem do Evangelho de
Jesus Cristo do amor radical e transformador; confrontar os modelos religiosos
do legalismo e da exploração da culpa, do ressentimento, do medo e do ódio. O
caminho a ser seguido passa necessariamente pelo desafio de desenvolver novos
modelos de vivência comunitária da fé, baseados na esperança, na amizade, na
criatividade, na beleza e na busca pela construção de uma nova realidade a
partir do horizonte do amor, paz, solidariedade e justiça.
Oramos para que o
sopro renovador do Espírito Santo e a força da fé inspirem e restaurem o nosso
tempo. Convidamos todas as pessoas que partilham desse sonho a participar da
construção dessa realidade!
Esta carta foi
construída por pessoas presentes ao Congresso e que se
identificaram a partir das seguintes tradições, denominações e afiliações
religiosas e não religiosas, que não necessariamente representam o
pensamento oficial de cada uma das instituições:
Aids Healthcare Foundation – AHF Brasil
Aliança de Batistas do Brasil
Anglicanxs – Catedral Anglicana da Santíssima Trindade – PoA/RS
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (ABGLT)
Associação Hikari
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)
Caminho da Graça
Catedral Anglicana do Bom Samaritano-Diocese Anglicana do Recife
Católicas pelo Direitos de Decidir-CDD
Centro de Estudos Bíblicos- CEBI
Centro de Estudos Anglicanos- CEA
Centro Espírita Kardecista
Comissão LGBT do MST
Comissão Pastoral da Terra- CPT
Comunidade Anglicana Redenção – Diocese Anglicana no Brasil
Comunidade Cristã Nova Esperança- CCNE da Vila Mariana
Comunidade de Vida Cristã do Brasil – CVX Brasil
Comunidades Tradicionais de Religião de Matriz Africana - Ilê Axé Omó
Nanã; Ilê Asé Iyalode Oyó; RENAFRO-SP
Diversidade Católica – Rio de Janeiro; Campinas; São Paulo
Evangélicas pela Igualdade de Gênero – EIG
Evangelicxs pela Diversidade
Fé, Família, Igualdade – A Mesa-Redonda Latinx
Féministas
Força Tarefa Jovens Lideranças
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
Grupo de Ação Pastoral da Diversidade (GAPD)
Igreja Adventista do Sétimo Dia
Igreja Batista
Igreja Batista do Caminho
Igreja Betesda
Igreja Católica Apostólica Romana-ICAR
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil- IEAB
Igreja Evangélica
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-IECLB
Igreja Metodista do Brasil-IMB
Igreja Metodista Unida
Igreja Pentecostal
Igreja Presbiteriana do Brasil-IPB
Igrejas da Comunidade Metropolitana – ICM Brasil
Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT)
Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço
Mães pela Diversidade
Missão One Heart for Healing
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Movimento Negro Evangélico de Pernambuco
Movimento Pastoral LGBT “Marielle Franco” – MOPA
Paróquia da Santíssima Trindade-Diocese Anglicana de São Paulo
Pastoral da Juventude Rural
Pessoas “desigrejadas”
Pessoas sem religião
Raiwbow Sangha
Rede Ecumênica da Juventude – REJU
Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT
Scottish Episcopal Church
The Episcopal Church - USA
UMForward
We Are Church – São Paulo
Fonte do texto: https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/geral/4790-1-congresso-igrejas-e-comunidade-lgbti-publica-carta-aberta-a-sociedade
Imagem de: Julio Cesar Silva - divulgada na publicação original.
Nota: As imagens aqui publicadas pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato conosco, enviando um comentário.
Nenhum comentário :
Deixe seu comentário: