Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER, A MENSAGEM DA ESCOLA DE SAMBA DA MANGUEIRA

08 março, 2019


A celebração do Dia Mundial da Mulher  
que no ano passado alcançou o seu  
centenário – cada vez mais 
manifesta o reconhecimento 
do vigor, da sensibilidade, 
do compromisso político e da
resistência da mulher brasileira que,
nesses dias, comemorou a oportuna
reação da cantora Daniela Mercury
ao vídeo divulgado pelo aposto presidente 
do Brasil, fazendo comentários desdenhosos 
à canção "Proibido o Carnaval", com a 
parceria de Caetano Veloso. 

Ao lado das grandes expressões culturais 
do nosso país, compartimos o mesmo
sentimento de resistência. Para 
expressá-lo, nada melhor do que 
texto de um padre cantor carioca - 
carinhosamente chamado padre Gegê - 
que nos levanta o ânimo diante da 
vergonha de brasileiras e brasileiros, 
pelos vexames que o nosso país vem passando aqui e lá fora.

No seu texto, padre Gegê aprofunda e ratifica os nossos
aplausos à inteligente e brilhante passagem da Estação 
Primeira da Mangueira, escola de samba carioca que 
homenageou Marielle Franco, cuja trágica morte será
rememorada no dia 14 deste mês.  

Padre Gegê afirma que a Mangueira nos ofereceu “uma ferramenta 
potente na ordem da resistência e do enfrentamento, porque, 
‘no som do seu tamborim e no rufar do seu tambor’ ensina 
que a história do negro tem que ser contada pelos negros, 
a dos índios pelos índios, a das mulheres pelas mulheres"...

Segue o texto.

---------------------------------------

O SAMBA DA MANGUEIRA (2019) E “O PERIGO DA HISTÓRIA ÚNICA”

Por: Padre Gegê 

Dentre os belos sambas deste ano, destaco de modo muito singular o samba-enredo da Estação Primeira. Para além dos binarismos de oposição do tipo “esquerda/direita”, a Mangueira oferece um caminho de revolução histórica a partir do legado africano ancestral que, necessariamente, implica na oralidade; logo, no saber/poder de “contar”. E contar é fazer memória; contar é não esquecer; contar é disputar narrativas; contar é transgressão;
contar é assumir protagonismos!

Nesse horizonte, a Mangueira oferece uma ferramenta potente na 
ordem da resistência e do enfrentamento, porque ‘no som do seu
tamborim e no rufar do seu tambor’ ensina que a história do negro
tem que ser contada pelos negros, a história dos indígenas pelos 
indígenas, das mulheres pelas mulheres...

Contar a própria história é um 
ato político por excelência.
Nesse sentido, a Mangueira
dialoga com a escritora nigeriana
Chimamanda Ngozi que fala
do “perigo de uma história única”.

Diz a escritora: “É impossível falar 
de única história sem falar sobre
poder”.Não permitir que o outro
conte sua própria história é
destruir o outro enquanto sujeito.
Chimamanda termina assim sua fala: “Quando nós rejeitamos 
uma única história, quando percebemos que nunca há apenas 
uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo 
de paraíso”. 

Acredito que o samba da Mangueira propõe exatamente isto: 
reconquistar “um tipo de paraíso”. E esse paraíso passa pela
memória feita pelos seus protagonistas. 

Não há história neutra. Marielle, por exemplo, lida por um lugar de poder é considerada defensora de bandidos, mas por outro lugar de poder é considerada defensora dos direitos humanos; Lula da mesma forma, tanto pode ser lido como bandido preso quanto por preso político. A libertação da escravatura, na mesma perspectiva, pode ser lida como fruto da bondade da princesa branca ou como processo de luta da população negra.

A Mangueira, então, provoca perguntas seríssimas para a atualidade: de que lugar de poder você lê a história? A história que você ouve e conta é a versão do caçador ou a versão do leão? A propósito, adverte um provérbio africano: “Até que os leões inventem as suas próprias histórias, os caçadores serão sempre os heróis das narrativas de caça”. 

Parabéns e obrigado, Estação Primeira da Mangueira. 
Só o Samba poderia, com afroternura, chamar um Brasil 
tão regredido em suas potencialidades civilizatórias
de “meu nego” e “meu dengo”. E, desse jeito carinhoso
e familiar, o samba o chama a rever sua história a partir
dos que o sistema de poder quer ocultar e silenciar.

A Mangueira insiste: “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahis,
Malês,


Marielles". E isso é revolucionário... O SAMBA tem dessas coisas... 
O SAMBA tem muito a ensinar, inclusive à esquerda. O SAMBA tem a 
afropotência extraordinária de, muitas vezes, falar de revolução sem
falar de revolução!!!

Contemos, pois, nossas histórias; resgatemos nossos heróis e heroínas,
reconquistemos nossos paraísos, assumamos, de fato, coletivamente,
nosso Brasil com nome de Dandarra e rosto de Cariri. E que possamos,
assumindo nossos compromissos históricos, com alegria democrática de 
um carnaval sem fim, poder chamar todos os dias esse Brasil pluriversal 
de “meu nego” e “meu dengo”.

O Brasil – como disse Caetano 
Veloso no contexto do assassinato 
de Moa do Katendê – “não 
pode ser reduzido a essa coisa 
bárbara”. Sob as lentes da 
ancestralidade africana não se faz 
política e tampouco revolução sem 
cafuné, sem dengo e sem chamego.
E o Brasil carece de cheiro no
 cangote!
Mais uma vez, parabéns Mangueira! Como uma preta velha, a 
Estação Primeira da Mangueira bota o Brasil no colo, o chama de
dengo” e o ajuda a ouvir “histórias que os livros não contam”.

Da minha parte, nunca vi Jesus na goiabeira, mas, certamente, 
o verei desfilando sorridente na MANGUEIRA!

----------------------------------------------


(*)  Recebi esse texto de autoria do padre Gegê que me foi enviado por uma amiga confiável, via WhatsApp. 
Não consegui encontrá-lo na sua página do Facebook, nem do YouTube. Mas quero parabenizá-lo por tanta competência e sensibilidade. De um registro no YouTube, sei que o padre Gegê canta ao seu violão na igreja, durante as celebrações. E certamente "conta" essa história a partir da sua  ascendência afro. 

Sobre a Mangueira, registro ainda o que uma cara amiga, Márcia Couto, comenta no Facebook: “...pelas mãos e pés dos seus integrantes na avenida, pelo samba enredo, pela dignidade, ganhamos. Ganhamos esperança e afirmamos a certeza de que não resistimos em vão!” 




Crédito das Imagens:

1. Mulher e mãe - fotografia de um belo painel, numa pousada na Paraíba, vizinha de um Quilombolas. 
2. Desfile da Escola de Samba da Mangueira, foto divulgada no Facebook.
3. Chimamanda Ngozi - escritora nigeriana - www.portalraizes.com
4. Marielle Franco - www.justificando.cm.br
5. Moa do Katundê - 
www.jconline.ne.10.uol.br/noticia/mundo/brasil/notícia/2018/10/09-conheca-moa-do-katende-artista-morto-durante-discussao-sobre-política-


Nota - As imagens aqui reproduzidas pertencem aos seus autores. Se algum deles deseja registrar o seu nome ou retirá-la deste espaço, favor nos alertar em um comentário.




Um comentário :

Posts + Lidos

Desenho de AlternativoBrasil e-studio