
A folia do carnaval não conseguiu apagar dos corações da maioria das brasileiras e dos brasileiros, e de milhares de pessoas que acompanham os fatos desse Brasil indignado - a imagem vivaz de Arthur, um garoto feliz de apenas sete anos, alegria garantida no coração do seu avô tão cansado de fatos e mais fatos persecutórios. Artur carregava no sobrenome a história de Luís Inácio Lula da Silva. Há poucos dias, a morte inexplicável o levou, para sempre.
Para os leitores deste espaço, especialmente os que estão em outros países, recopiamos este artigo do Professor Christian Dunker, da USP, escrito com clareza de visão e grande sensibilidade. Segue o texto.
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Um sinal claro de que nosso desejo legítimo de justiça transformou-se em exercício obsceno de vingança ocorre quando as situações que humanizariam alguém são usadas para ofendê-lo e humilhá-lo. A morte de inocentes não lembra mais nossa igualdade diante da finitude da vida, mas a crueldade dos sobreviventes. Por isso o processo de demonização dos inimigos é infinito. Tudo o que nele o torna como nós, como o fato de que ele tem filhos e netos, que sofre e que ama, precisa ser negado. A impossibilidade de compartilhar qualquer coisa que seja, com este outro.
Se Freud estava certo, no inconsciente, vigora a lei de Talião: olho por olho, dente por dente. Disso podemos intuir que aqueles que agora gozam e desejam com a morte de uma criança de sete anos, cedo ou tarde, serão cobrados em dobro, na moeda da culpa, pela sua própria consciência.
Muitos brasileiros hoje se perguntam como é possível defender Jesus Cristo atrás de uma arma, ou usado para apoiar o ódio ou a violência. Poucos percebem que a crença de que todo mal descende de uma pessoa, ou de uma classe de pessoas, é um subterfúgio para liberar o que há de pior em nós. Usar a lei para nos proteger do mal é uma das estratégias mais antigas de pacificação subjetiva. Como se tudo que fosse legal assegurasse nossa moralidade.
Mas o fato é que existem coisas legais e imorais, assim como existe um uso da lei para humilhar e vingar-se do outro. Dentro de todos os impasses que separam e unem a justiça do direito há algumas máximas morais que estão acima de contextos e circunstâncias. O luto e o respeito pelo luto alheio é uma delas.
É o que acontece quando usamos os erros dos outros para nos sentirmos mais puros e justos. Mas o custo subjetivo para manter esta satisfação com a falta do outro pede cada vez. É preciso cada vez mais ofensa e degradação do outro para obter o mesmo efeito de limpeza da consciência.
É preciso cada vez mais maldade no outro para reassegurar nossa bondade. É assim que na história mais mal tenha sido feito em nome do bem do que do mal ele mesmo.

Depreciar Lula, neste momento de dor e sofrimento, é um exagero impiedoso que denuncia este movimento caricato de criar um excesso de um excesso no outro para esconder sua própria falta.
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Fonte do texto: https://www.google.com/search?q=Revista+Época+-+O+exercício+obsceno+da+vingança&oq=rEVIST&aqs=chrome
Créditos das Imagens:
1. Arthur Araújo Lula da Silva
na frente do prédio da PF em Curitiba-PN. Imagem divulgada em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/01/politica/1551456375_479980.html
2. Ex-presidente Lula. Foto: Miguel Schincariol /AFP, revista Época 02/03/2019.
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Ex-presidente Lula com o neto Arthur Araújo Lula da Silva, 7 anos, que morreu na sexta-feira 01/02, vítima de meningite. A foto foi cedida ao jornal El País pelo Instituto Lula. RICARDO STUCKER/DIVULGAÇÃO EFE
Ex-presidente Lula, preso político em Curitiba. Foto: Miguel Schincariol /AFP - divulgada na Revista Época - 02/03/2019
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