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BOAVENTURA: MENSAGEM AOS DEMOCRATAS BRASILEIROS

07 fevereiro, 2018

Reproduzimos, aqui, a "Mensagem aos democratas brasileiros", do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale. A reprodução é cópia do blog LBoff, que faz o seguinte  comentário:

"Em momentos sombrios como os nossos é imperativo escutar vozes de lucidez de pessoas que conhecem nosso país. Entre tantas, sobressai o sociólogo português Boaventura de Souza Santo. É considerado uma das melhores cabeças que pensam o mundo, a globalização, a partir do Grande Sul. Fez sua tese morando numa favela do Brasil, para conhecer por dentro o mundo da pobreza. Professor em Colimbra e em Wisconsin-Madison nos USA, ganhou fama mundial por ter introduzido várias categorias sociológicas novas para entender o mundo novo que está nascendo. Publicamos aqui seu apelo aos democratas do Brasil pelo amor que tem por nosso país e por seu povo". Lboff
                
MENSAGEM AOS DEMOCRATAS BRASILEIROS

Por:  Boaventura de Sousa Santos.



Dirijo-me aos democratas brasileiros porque só eles podem estar interessados no teor desta mensagem. Vivemos um tempo de emoções fortes. Para alguém, como eu e tantos outros que nestes anos acompanhamos as lutas e iniciativas de todos os brasileiros no sentido de consolidar e aprofundar a democracia brasileira e contribuir para uma sociedade mais justa e menos racista e menos preconceituosa, este não é um momento de júbilo. Para alguém, como eu e tantos outros que nas últimas décadas se dedicaram a estudar o sistema judicial brasileiro e a promover uma cultura de independência democrática e de responsabilidade social entre os magistrados e os jovens estudantes de direito, este é um momento de grande frustração. Para alguém, como eu e tantos outros que estiveram atentos aos objetivos das forças reacionárias brasileiras e do imperialismo norte-americano no sentido de voltarem a controlar os destinos do país, como sempre fizeram mas pensaram que desta vez as forças populares e democratas tinham prevalecido sobre eles, este é um momento de algum desalento.


As emoções fortes são preciosas se forem parte da razão quente que nos impele a continuar, se a indignação, longe de nos fazer desistir, reforçar o inconformismo e municiar a resistência, se a raiva ante sonhos injustamente destroçados não liquidar a vontade de sonhar. É com estes pressupostos que me dirijo a vós. Uma palavra de análise e outra de princípios da ação.

Porque estamos aqui? Este não é lugar nem o momento para analisar os últimos quinze anos da história do Brasil. Concentro-me nos últimos tempos. A grande maioria dos brasileiros saudou o surgimento da operação Lava Jato como um instrumento que contribuiria para fortalecer a democracia brasileira pela via da luta contra a corrupção. No entanto, em face das chocantes irregularidades processuais e da grosseira seletividade das investigações, cedo nos demos conta de que não se tratava disso mas antes de liquidar, pela via judicial, não só as conquistas sociais da última década como também as forças políticas que as tornaram possíveis. Acontece que as classes dominantes perdem frequentemente em lucidez o que ganham em arrogância.


A destituição de Dilma Rousseff, a Presidente que foi talvez o Presidente mais honesto da história do Brasil, foi o sinal que a arrogância era o outro lado da quase desesperada impaciência em liquidar o passado recente. Foi tudo tão grotescamente óbvio que os brasileiros conseguiram afastar momentaneamente a cortina de fumo do monopólio mediático. O sinal mais visível da sua reação foi o modo como se entusiasmaram com a campanha pelo direito do ex-Presidente Lula da Silva a ser candidato às eleições de 2018, um entusiasmo que contagiou mesmo aqueles que não votariam nele, caso ele fosse candidato. Tratou-se pois de um exercício de democracia de alta intensidade.

Temos, no entanto, de convir que, da perspectiva das forças conservadoras e do imperialismo norte-americano, a vitória deste movimento popular era algo inaceitável. 
Dada a popularidade de Lula da Silva, era bem possível que ganhasse as eleições, caso fosse candidato. Isso significaria que o processo de contra-reforma que tinha sido iniciado com a destituição de Dilma Rousseff e a condução política da Lava Jato tinha sido em vão. Todo o investimento político, financeiro e mediático teria sido desperdiçado, todos os ganhos econômicos já obtidos postos em perigo ou perdidos. Do ponto de vista destas forças, Lula da Silva não poderia voltar ao poder. Se o Judiciário não tivesse cumprido a sua função, talvez Lula da Silva viesse a ser vítima de um acidente de aviação, ou algo semelhante. Mas o investimento imperial no Judiciário (muito maior do que se pode imaginar) permitiu que não se chegasse a tais extremos.

Que fazer? A democracia brasileira está em perigo, e só as forças políticas de esquerda e de centro-esquerda a podem salvar. Para muitos, talvez seja triste constatar que neste momento não é possível confiar nas forças de direita para colaborar na defesa da democracia. Mas esta é a verdade. Não excluo que haja grupos de direita que apenas se revejam nos modos democráticos de lutar pelo poder. Apesar disso, não estão dispostos a colaborar genuinamente com as forças de esquerda. Por quê? Porque se vêem como parte de uma elite que sempre governou o país e que ainda não se curou da ferida caótica que os governos lulistas lhe infligiram, uma ferida profunda que advém do facto de um grupo social estranho à elite ter ousado governar o país, e ainda por cima ter cometido o grave erro (e foi realmente grave) de querer governar como se fosse elite.

Neste momento, a sobrevivência da democracia brasileira está nas mãos da esquerda e do centro-esquerda. Só podem ter êxito nesta exigente tarefa se se unirem. São diversas as forças de esquerda e a diversidade deve ser saudada. Acresce que uma delas, o PT, sofre do desgaste da governação, um desgaste que foi omitido durante a campanha pelo direito de Lula a ser candidato. Mas à medida que entrarmos no período pós-Lula (por mais que custe a muitos), o desgaste cobrará o seu preço e a melhor forma de o estabelecer democraticamente é através de um regresso às bases e de uma discussão interna que leve a mudanças de fundo. Continuar a evitar essa discussão sob o pretexto do apoio unitário a um outro candidato é um convite ao desastre. O patrimônio simbólico e histórico de Lula saiu intacto das mãos dos justiceiros de Curitiba & Co. É um patrimônio a preservar para o futuro. Seria um erro desperdiçá-lo, instrumentalizando-o para indicar novos candidatos. Uma coisa é o candidato Lula, outra, muito diferente, são os candidatos de Lula. Lula equivocou-se muitas vezes, e as nomeações para o Supremo Tribunal Federal aí estão a mostrá-lo.

A unidade das forças de esquerda deve ser pragmática, mas feita com princípios e compromissos detalhados. 
Pragmática, porque o que está em causa é algo básico: a sobrevivência da democracia. Mas com princípios e compromissos, pois o tempo dos cheques em branco causou muito mal ao país em todos estes anos. Sei que, para algumas forças, a política de classe deve ser privilegiada, enquanto para outras, as políticas de inclusão devem ser mais amplas e diversas. A verdade é que a sociedade brasileira é uma sociedade capitalista, racista e sexista. E é extremamente desigual e violenta. Entre 2012 e 2016 foram assassinadas mais pessoas no Brasil do que na Síria (279.000/256.000), apesar de este último país estar em guerra e o Brasil estar em “paz”. A esquerda que pensar que só existe política de classe está equivocada, a que pensar que não há política de classe está desarmada.

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Informações e contatos:

http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/homepage.php

Boaventura de Sousa Santos nasceu em Coimbra, 15 de Novembro de 1940. É Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É igualmente Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça.
Dirige atualmente o projecto de investigação ALICE - Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências do mundo, um projeto financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC), um dos mais prestigiados e competitivos financiamentos internacionais para a investigação científica de excelência em espaço europeu. 

Seu livro mais recente (Boitempo, 2016): Pela Boitempo publicou também: Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (2007). Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.
Tem trabalhos publicados sobre globalização, sociologia do direito, epistemologia, democracia e direitos humanos. Os seus trabalhos encontram-se traduzidos em espanhol, inglês, italiano, francês, alemão, chinês e romeno.
Veja a entrevista introdutória sobre o projeto ALICE
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Publicações mais recentes, de sua autoria:

Português
As bifurcações da ordem. Revolução, cidade, campo e indignação. Coimbra: Almedina, 2017.
A difícil democracia. Reinventar as esquerdas. São Paulo: Boitempo, 2016. (Em venda na Estante Virtual).
As bifurcações da ordem. Revolução, cidade, campo e indignação. São Paulo: Cortez, 2016.
A justiça popular em Cabo Verde. São Paulo: Editora Cortez, 2015. 
O direito dos oprimidos. São Paulo: Editora Cortez, 2014.
A cor do tempo quando foge. Uma história do presente – crônicas 1986-2013. São Paulo: Ed. Cortez, 2014.
- Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. São Paulo: Cortez Editora, 2013.
- Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade - 
9ª edição, revista e aumentada. Coimbra: Almedina, 2013. Também publicado no Brasil, pela Editora Cortez (14ª edição, revista e aumentada).
- A cor do tempo quando foge - vol. 2. Crónicas 2001-2011. 
Coimbra: Almedina, 2012.
- Portugal. Ensaio contra a autoflagelação. Coimbra: Almedina, 2011. Também publicado no Brasil, pela Editora Cortez. Segunda edição aumentada, em 2012.
Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Editora Cortez, 2007.
- Poderá o direito ser emancipatório? Vitória: Faculdade de Direito e Fundação Boiteux, 2007.
Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.


Francês
- Épistémologies du Sud. Mouvements citoyens et polémique sur la science. Paris: Desclée de Brouwer, 2016.
- Vers un Nouveau Sens Commun Juridique. Droit, Science et Politique dans la Transition Paradigmatique. Paris: Librairie Général de Droit et Jurisprudence, 2004.

ItalianoDiritto ed emancipazione sociale. Troina: EdCittà Aperta Edizioni, 2008.
Il Forum Sociale Mondiale: Verso una globalizzazione antiegemonica. Troina: 
Città Aperta Edizioni, 20

Espanhol
Justicia entre Saberes: Epistemologías del Sur contra el Epistemicidio. Madrid: Ediciones Morata, 2017.
Trece cartas a las izquierdas. Bogotá: Ediciones Desde Abajo, 2017.
Democracia y transformación social. Ciudad de México: Siglo Veintiuno Editores. Também publicado na Colômbia, por Siglo del Hombres Editores, 2017
La difícil democracia. Una mirada desde la periferia europea. Madrid: Akal, 2016.
- La universidad en el siglo XXI. Cidade do México: Siglo XXI Editores, 2016.
Revueltas de indignación y otras conversas. La Paz: OXFAM; CIDES-UMSA; Ministerio de Autonomías, 2015.
Derechos humanos, democracia y desarrollo. Bogotá: Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, Dejusticia, 2014. 
Democracia al borde del caos. Ensayo contra la autoflagelación. Bogotá: Siglo Del Hombre Editores/Siglo XXI Editores, 2014.
Si Dios fuese un activista de los derechos humanos. Madrid: Editorial Trotta, 2014.
Descolonizar el saber, reinventar el poder. Chile: LOM Ediciones, 2013.
De las dualidades a las ecologías. La Paz: REMTE-Red Boliviana de Mujeres Transformando la Economía, 2012.
Para descolonizar el occidente. Más allá del pensamiento abismal
San Cristobal de las Casas, Chiapas: Editorial Cideci Unitierra, 2011. 
Derecho y emancipación.
 Quito: Corte Constitucional para el Período de Transición, 2011.
Refundación del Estado en América Latina. Perspectivas desde una epistemología del Sur. Lima: Instituto Internacional de Derecho y Sociedad; Programa Democracia y Transformación Global. Também publicado na Venezuela, pelas Ediciones IVIC - Instituto Venezuelano de Investigaciones Cientificas, na Bolívia por Plural Editores; na Colômbia, por Siglo del Hombre Editores, 2010, y na Argentina pela Editorial Antropofagia, 2010.
Descolonizar el saber, reinventar el poder. Montevideo: Ediciones Trilce, 2010.
La universidad en el siglo XXI. Para una reforma democrática y emancipatoria de la universidad. Montevideo: Ediciones Trilce, 2010.
Sociología Jurídica Crítica. Para un nuevo sentido común en el derecho. Madrid: Editorial Trotta, 2009. Também publicado na Argentina por ILSA.
Una Epistemologia del Sur. La reinvención del Conocimiento y la Emancipación Social. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, CLACSO, 2009. 
-  Pensar el Estado y la sociedad: desafíos actuales. La Paz: CLACSO, CIDES-UMSA, Muela del Diablo Editores, Comuna, 2008. Também publicado por CLACSO Ediciones, Waldhuter Editores, 2009.
La universidad en el siglo XXI. Para una reforma democrática y emancipatória de la universidad. La Paz: Plural Editores, 2007.
La reinvención del Estado y el Estado plurinacional. Santa Cruz de la Sierra: CENDA, CEJIS, CEDIB, Bolivia, 2007.
Conocer desde el Sur. Para una cultura política emancipatória. Lima: Fondo Editorial de la Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad Mayor de San Marcos, 2006. Também publicado na Bolivia, por Plural Editores, 2008; Santiago de Chile: Editorial Universidad Bolivariana, 2008.


Inglês- If God Were a Human Rights Activist. Stanford: Stanford University Press, 2015. 
Epistemologies of the South. Justice against Epistemicide. Boulder/Londres: Paradigm Publishers, 2014.
The Rise of the Global LeftThe World Social Forum and Beyond. Londres: Zed Books, 2006. Também publicado em chinês por Shanghai Bookstore Publishing House, 2013.
Toward a New Legal Common SenseLaw, globalization, and emancipation. Londres: Butterworths, 2002. Também publicado em chinês por Cambridge University Press & China Renmin University Press, 2009.
Toward a New Common Sense: Law, Science and Politics in the Paradigmatic Transition. Nova Iorque: Routledge, 1995.


Crédito das Imagens:

1. Boaventura Sousa Santos - De:Renato Araújo/ABr-Agência Brasil-CC BY3.0 br
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=9084247, 2010.
2. Capa do livro: Conoscer desde el Sur - Boaventura de Sousa Santos.
3. Lula da Silva, El País: Eleições 2018.
https://brasil.elpais.com/tag/luiz_inacio_da_silva/a
4. Dilma Rousseff e Chico Buarque - www.conversaafiada.com.br
5. Em Cuba, com o crítico literário Roberto Retamar, 2016.
6. Boaventura em trabalho de campo em Moçambique, em 1999. Na foto, o então juiz do Supremo Tribunal de Justiça de Maputo, João Carlos Trindade, Maria Manuel Trindade, Secretária de Estado de Modernização Administrativa e Conceição Gomes, Diretora Executiva do OPJ.




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