
Pareceu-me mais que oportuno divulgar este artigo de Leonardo Boff – reconhecido pensador e teólogo, inspirador de uma profunda inovação de ideias sobre a cidadania e a eficácia de atitudes para o testemunho cristão nos nossos dias. A mensagem que apresentamos abaixo tem o impacto de um chamamento inspirado na encíclica Laudato Sì de Papa Francisco.
O texto fala de "desafio", com a força inteira que esta palavra carrega – um convite incisivo à superação de nós mesmos e à tomada de atitudes pessoais de cuidados consigo mesmo. Os destaques realizados no texto são nossos.
Um Desafio Permanente: Cuidar De Si Mesmo
Leonardo Boff (*)
Ao assumir a categoria do “cuidado” na relação para com a Mãe Terra e para com todos os seres, o Papa Francisco reforçou não só uma virtude mas, um verdadeiro paradigma que representa uma alternativa ao paradigma da modernidade – a da vontade de poder/dominação que tantos prejuízos trouxe. Devemos cuidar de tudo, também de nós mesmos, pois somos o mais próximo dos próximos e, ao mesmo tempo, o mais complexo e o mais indecifrável dos seres.

Na verdade, não sabemos quem somos. Apenas desconfiamos como diria Guimarães Rosa. Na medida em que vamos vivendo e sofrendo lentamente desvendamos quem somos. Em último termo: expressões daquela Energia de fundo (Deus?) que tudo sustenta e tudo dirige.
Junto com aquilo que de fato somos, existe também aquilo que potencialmente podemos ser. O potencial pertence também ao real, quem sabe, a nossa melhor parte. A partir deste transfundo, cabe elaborarmos chaves de leitura que nos orientam na busca daquilo que queremos e podemos ser.

Foi Michel Foucauld – com sua minuciosa investigação: Hermenêutica do sujeito (2004) – que tentou resgatar a tradição ocidental do cuidado do sujeito, especialmente nos sábios dos séculos II/III como Sêneca, Marco Aurélio, Epicteto e outros. O grande mote era o famoso ghôti seautón – conhece-te a ti mesmo. Esse conhecimento não era algo abstrato mas muito concreto como: reconhece-te naquilo que és, procura aprofundar-te em ti mesmo para descobrires tuas potencialidades; tenta realizar aquilo que de fato podes.
Neste contexto se abordavam as várias virtudes, tão bem discutidas por Sócrates. Ele advertia evitar o pior dos vícios que para nós se tornou comum: a hybris. Hybris é o ultrapassar os limites e colocar-se acima dos outros. Talvez o maior impasse da cultura ocidental, da cultura cristã, especialmente da cultura estadunidense – com o seu imaginado Destino Manifesto (o sentir-se o novo povo eleito por Deus) - é a hybris: o sentimento de superioridade e de excepcionalidade, impondo aos outros nossos valores.

A primeira coisa que importa afirmar é que o ser humano é um sujeito e não uma coisa.
Não é uma substância constituída uma vez por todas, mas um nó de relações sempre ativo que, mediante a cadeia das relações está continuamente se construindo, como o faz o universo.
Todos os seres, consoante a nova cosmologia são portadores de certa subjetividade, porque têm história, vivem em interação e interdependência de todos com todos, aprendem trocando e acumulando informações. Esse é um princípio cosmológico universal. Mas o ser humano realiza uma modalidade própria deste princípio que é o fato de ser um sujeito consciente e reflexo. Ele sabe que sabe e sabe que não sabe e, para sermos completos, não sabe que não sabe.
Este nó de relações se articula a partir de um centro ao redor do qual organiza as relações com todos os demais. Esse eu profundo nunca está só. Sua solidão é para a comunhão. Ele reclama um tu. Melhor, segundo Martin Buber, é a partir do tu que o eu desperta e se forma. Do eu e do tu nasce o nós.

O cuidado de si exige saber combinar as aptidões com as motivações. Não basta termos aptidão para a música se não sentimos motivação para ser músico. Da mesma forma, não nos ajudam as motivações para sermos músico se não tivermos a aptidão para isso. Desperdiçamos energias e colhemos frustrações. Ficamos medíocres, o que não nos engrandece.

Outro componente do cuidado para consigo mesmo é saber e aprender a conviver com a dimensão de sombra que acompanha a dimensão de luz. Amamos e odiamos.
Somos feitos com estas contradições. Antropologicamente se diz que somos ao mesmo tempo sapiens e demens, gente de inteligência e junto a isso gente de rudeza. Somos o encontro das oposições. Cuidar de si mesmo é poder criar uma síntese onde as contradições não se anulam, mas o lado luminoso predomina.

Cuidar de si mesmo é amar-se, acolher-se, reconhecer sua própria vulnerabilidade, poder chorar, saber perdoar-se e perdoar... E, ainda, desenvolver a resiliência, que é a capacidade de dar a volta por cima e de aprender dos próprios erros e contradições. Então, escrevemos direito apesar das linhas tortas.
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(*) Postado em 01/08/2015 - www.Leonardo Boff.wordpress.com
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4. Ubumtu - divulgação da filosofia de alguns países africanos sobre o valor do outro, na relação humana.
5. O Espelho - pintura de Roberto Ploeg - o.s.t.,80x60cm - 2012 - robertoploeg.blogspot.com
6. Retrato Embrulhado - pintura de Roberto Ploeg - o.s.t.,50x40cm - 2012
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